O varejo está realmente barato na Bolsa? Com quedas que chegam a
quase 80% no acumulado do ano para grandes empresas do setor – com
destaque para a baixa de Casas Bahia – analistas e gestores têm se
questionado sobre se há mesmo oportunidades de ganhos ao apostar em
ações consideradas “baratas”, com algumas valendo centavos, ou se
tomar posição nos ativos seria apenas cair em uma “armadilha de
valor” (ou value trap, quando um papel ou um mercado parece estar
com desconto, mas, na verdade, só está desvalorizado porque é um
mau negócio).
Cabe ressaltar que, entre as principais baixas, estão
principalmente as de ações de empresas voltadas para o e-commerce e
com grande participação de linha branca em seu portfólio.
Além dos ativos serem o destaque de baixa do ano, com BHIA3 em
queda de quase 80% e Magazine Luiza (BOV:MGLU3) em baixa de cerca
de 50% no ano, os ativos dessas duas empresas – e, naturalmente, da
Americanas (BOV:AMER3), em recuperação judicial – estão entre os
menos lembrados por analistas e gestores como oportunidades de
investimento, o que evidencia o cenário ainda bastante desafiador
para as companhias.
Particularmente para Magalu, desde 5 de novembro de 2020, quando
MGLU3 atingiu a marca impressionante de R$ 27,40 (valores ajustados
por proventos), até o fechamento da véspera, quando fechou a R$
1,44, os ativos caíram surpreendentes 94,74%, conforme apontam
dados do consultor Einar Rivero.
Esta queda supera até mesmo a registrada entre 2011 e 2015,
quando as ações do Magalu tiveram uma derrocada de 93,52%. Isso até
elas se recuperarem a partir de 14 de dezembro de 2015 e atingirem
ganhos impressionantes de 91.736% pouco menos de cinco anos depois.
A ação, vale lembrar, foi muito impulsionada em 2020 pela demanda
de seus produtos do e-commerce durante o início da pandemia de
Covid-19, com restrições de mobilidade, mas depois começou a cair
fortemente na Bolsa com a demanda menos aquecida, entrada de
concorrentes e margens pressionadas.
Por sinal, as margens são um ponto de atenção para a companhia.
A XP espera um resultado misto para o Magalu no terceiro trimestre,
com receita mais fraca e melhora nas margens, mas sem empolgar o
mercado.
O Bradesco BBI também ressalta que os principais indicadores
chaves de desempenho (KPIs) deverão continuar sendo geração de
caixa e margens (BBI estima margem Ebitda de 5,5%).
Na visão do banco, para o e-commerce especificamente, os players
locais ainda estão pressionados desde a receita bruta até o lucro
líquido. “Os tempos continuam difíceis para bens duráveis e,
portanto, esperamos que as tendências gerais de vendas do 1S23
persistam no 3T23”, pontuou.
Para o Magalu, o banco também espera uma melhora sequencial
modesta no lucro antes de juros, impostos, depreciações e
amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) e no prejuízo, mas ainda
deve ser a empresa altamente pressionada ao longo dos números do
demonstrativo de resultados.
Competição acirrada no e-commerce, juros altos e uma pressão
extra relacionada a aluguel de ações estão entre os principais
fatores para a queda das ações
Para o Grupo Casas Bahia (BOV:BHIA3), o BBI acredita que os
resultados estejam entre os mais pressionados, sendo este o
primeiro trimestre efetivo sob a nova gestão e com uma grande
reestruturação em andamento. Assim, o banco aponta que estará de
olho na rapidez e eficácia com que o plano de transformação se
materializou, sendo os KPIs principais o nível de estoque
(planejamento de R$ 1 bilhão a ser vendido entre o 3T e o 4T) e o
momento de normalização da rentabilidade. O nível de geração/queima
de caixa nos próximos trimestres também é fundamental.
Cenário macro: como impacta as varejistas?
Os números por ora fracos esperados para 3T23 se confundem com a
resiliência da economia brasileira até então, o que levou muitos
analistas a questionarem sobre este fator, a princípio importante
para o desempenho operacional e para as ações do setor.
O BTG Pactual aponta que, na primeira metade do ano, a inflação
no Brasil caiu, o PIB surpreendeu positivamente, o emprego aumentou
e as taxas de juros começaram a apresentar tendência de queda.
Mas os últimos resultados e previsões dos varejistas mostram
novos sinais de que os gastos dos consumidores no Brasil estão sob
pressão pensando no segundo semestre, num cenário ainda desafiador
para os consumidores, com elevadas taxas de juro, endividamento e
inadimplência e que deve permanecer no curto prazo.
Levando isso em conta, os analistas do banco apontam que o
terceiro trimestre deverá apresentar uma tendência setorial mais
fraca do que o esperado em relação às expectativas de alguns meses
atrás.
“Os varejistas também foram abalados nos últimos meses por uma
Medida Provisória que regulamenta a tributação de incentivos
fiscais e acaba com os incentivos fiscais do JCP, o que gerou muito
ruído no setor, agravando o enfraquecimento dos fundamentos de
curto prazo. O ambiente macro ainda é responsável pela maior parte
do impacto sobre o crédito e é um verdadeiro indicador da saúde dos
consumidores, apoiando a nossa abordagem cautelosa”, aponta o
banco.
Enquanto isso, também em estudo, o Itaú BBA ressalta que os
fundamentos que têm apoiado o PIB recentemente não estão
relacionados diretamente ao varejo, mas principalmente com o setor
agrícola.
Os analistas do BBA não observam ainda uma melhora significativa
em consumo, mesmo com inflação sob controle, taxa de desemprego na
mínima histórica desde 2015 e ciclo de corte de juros. Isso
justamente por conta do endividamento das famílias, fator que, para
o BBA, está dificultando a recuperação do consumo.
Para eles, a revisão para baixo de estimativas de lucro para
2024 ainda é um risco, dada a dinâmica fraca que esperam para os
resultados do 3T23 de sua cobertura como um todo. “Desde janeiro de
2023, cortamos projeção de lucro de 2024 do setor em quase 50%”,
afirmam.
O BBA vê o setor como descontado em relação aos níveis
históricos e que o Brasil continua sendo uma opção atraente para
investidores estrangeiros em comparação com o mercado de outros
países emergentes, atratividade reforçada pela sua exposição à
melhoria das tendências macroeconômicas.
Porém, o banco também avalia ser difícil afirmar que todo o
setor varejista brasileiro é uma “pechincha” para a perspectiva de
um investidor estrangeiro, por exemplo, ao analisar o custo de
oportunidade atual nos EUA. “Levando em conta o aumento substancial
nos rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA de 10 anos,
combinado com um enorme revisão em baixa nas projeções finais para
o varejo no próximo ano, chegamos à conclusão de que o o spread
atual não indica que o setor como um todo seja barato”, aponta.
Sentimento parecido também pode ser transposto para o investidor
local, como destacou o próprio Itaú BBA em relatório anterior e
também a XP em recentes conversas com investidores
institucionais.
“Apesar da recente liquidação no setor, a maioria dos
investidores com quem falamos permanece underweight (com baixa
exposição) em varejo. A principal preocupação é o potencial para
revisões negativas, dadas as perspectivas de curto prazo ainda
frágeis”, destacou o BBA em relatório de meados do mês.
A XP, ao ouvir mais de 80 investidores institucionais, entre
gestores long only (74%) e hedge funds (23%), destacou que 80%
deles estão com uma visão neutra ou negativa quanto ao setor
(versus 36% em sua última pesquisa, em junho), levando a um
posicionamento mais leve, uma vez que i) cerca de 56% estão tanto
neutros ou abaixo do índice em termos de posicionamento; e ii)
somente 35% recentemente aumentaram sua exposição ao setor,
enquanto 30% reduziram.
Quando questionados sobre o que levaria os fundos a aumentar a
exposição ao setor, a melhora de resultados das empresas (52%) foi
escolhida como o principal fator, seguido pela maior visibilidade
quanto as discussões tributárias (20%) e dinâmica macro (8%).
Além disso, a dinâmica de resultados do curto prazo superou o
fator valuation e agora é o principal evento considerado para
adicionar uma empresa de varejo ao portfolio, seguido pelo conforto
quanto a estratégia de longo prazo e riscos de execução.
Os analistas da XP destacam que o cenário macro permanece como o
risco principal para o setor (35%) apesar de uma menor magnitude
versus sua pesquisa anterior (45%). “Entretanto, é interessante
destacar que receios quanto a revisões de lucro aumentaram
significativamente ao longo dos últimos meses, sendo agora
mencionado por 26% dos investidores e assumindo a segunda
colocação, versus 1% na nossa última pesquisa, enquanto discussões
tributárias seguiram em terceiro”, avaliam.
Para a XP, apesar da cautela com o setor, alguns fatores
poderiam contribuir para resultados melhores no quarto
trimestre.
São eles:
- Clima mais quente por conta do fenômeno El Niño, o que
pode contribuir para as vendas de vestuário no período (um fator a
princípio controverso, uma vez que o Citi apontou que o impacto
poderia ser negativo, levando a SSS, ou vendas mesmas lojas,
voláteis e descontos mais elevados);
- Maior número de dias úteis em comparação ao ano passado, o que
contribui para melhores vendas — em 2022, o final do ano foi
marcado pela presença de muitas emendas de feriado, Copa do Mundo e
eleições;
- Avanço do Programa Desenrola, que pode aliviar o endividamento
dos consumidores; e
- Continuidade do processo de queda de juros e desaceleração
inflacionária no Brasil.
Alta renda segue na preferência
Enquanto muitas ações ainda estão “no limbo”, outras do setor
estão no radar dos investidores, conforme ressalta a XP, com nomes
similares sendo destacados tanto pelo sell-side quanto pelo
buy-side.
A XP destaca que as varejistas de alta renda permanecem como o
investimento mais consensual entre os institucionais ouvidos pela
casa, com 72% dos investidores posicionados no segmento, seguido
por varejo alimentar (40%) e varejistas de baixa renda (38%).
Vivara (VIVA 3,45%), Mercado Livre (MELI 34, 30%) e Arezzo (ARZZ
3,29%) estão entre as favoritas dos institucionais, enquanto Lojas
Renner (LREN 3,24%) e Smart Fit (SMFT 3,24%) também ranquearam
bem.
Já o Grupo Soma (BOV:SOMA3) é o nome monitorado mais de perto
para um ponto de entrada, curiosamente seguido por VIVA3 (24%) e
SMFT3 (24%), que também foram citados como nomes de maior convicção
no setor, destaca a XP.
Os analistas da XP, por sua vez, em recente revisão para o
setor, mantiveram Vivara(BOV:VIVA3), Assaí (BOV:ASAI3) e Grupo
Mateus (BOV:GMAT3) como as suas preferências, enquanto apontaram
estarem de olho em SmartFit pelo seu perfil de crescimento e veem
Lojas Renner e Grupo Soma com valuations assimétricos, sendo
possíveis ações para se posicionar para uma recuperação do cenário
macro.
O Itaú BBA, por sua vez, apontou gostar de Vivara, Mercado
Livre, Smartfit e Lojas Renner. “Acreditamos que os três primeiros
nomes oferecem uma visão de tendência positiva nos resultados
operacionais, aliada a uma narrativa de consolidação de longo prazo
nos seus respectivos mercados”, avalia. Assim como a XP, o banco
também recomenda a Renner como uma ação com “valuation”
assimétrico, com muitos dos aspectos negativos precificados e a
maior parte do potencial de alta sendo negligenciado.
Para o BTG, o mix preferencial é por empresas com dinâmica mais
sólida, Mercado Livre, Smart Fit, Raia Drogasil (BOV:RADL3) e
Arezzo (BOV:ARZZ3), proporcionando menos espaço para revisões
negativas de lucro.
Com relação aos gestores ouvidos pelo BBA, o nome de maior
interesse foi também a Vivara, com uma visão de que a companhia
oferece fundamentos sólidos tanto no curto quanto no longo prazo,
enquanto Smart Fit foi um nome que ganhou força durante o ano pela
expansão acelerada da margem sequencial dos últimos trimestres. “Em
geral, os investidores esperam que a liquidez das ações continue a
melhorar e parecem estar à espera de melhores pontos de entrada
para aumentar a sua exposição ao nome”, afirma o BBA sobre
SMFT3.
informações Infomoney
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